sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

ATENÇÃO CONSUMIDOR: ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS CONTINUAM OBRIGADOS A ETIQUETAR INDIVIDUALMENTE SEUS PRODUTOS À VENDA


SENTENÇA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA 
CONTRA  SUPERMERCADOS



Sentença de ação civil pública contra supermercados na qual se decidiu que a imposição legal de utilização de códigos de barras e de manutenção dos preços nas prateleiras ou nas gôndolas não isenta o fornecedor da obrigação de etiquetar diretamente os produtos com os preços respectivos.

10ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL/RN
Processo n. (xxx)
Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Promotor : ZENILDE ALVES MACHADO
Réus : CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA E OUTROS.



                     S E N T E N Ç A

EMENTA – DIREITO DO CONSUMIDOR. AFIXAÇÃO DE PREÇOS NOS PRODUTOS EXPOSTOS À VENDA.

I – Não se configura litispendência quando são diferentes o pedido e a causa de pedir. A ação de cunho declaratório, apenas com o objetivo de que seja declarado se os Supermercados se submetem à norma administrativa do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor tem objeto diverso desta, que atinge aos réus, na busca de uma obrigação de fazer, decorrente de comando legal.
II - Estabelecimento que mantém convênio com diversas entidades, como associações de classe, de profissionais liberais, etc., com o objetivo de vender suas mercadorias a consumidores comuns, e não só a comerciantes. A venda em quantidades não descaracteriza a condição de venda ao consumidor. Além do mais, as empresas que adquirem os bens na qualidade de consumidores finais, ou seja, para atender ao seu consumo interno, também estão sob o pálio da norma consumerista.
III - Informação adequada e clara, no caso de preços sujeitos à cobrança por leitura eletrônica de códigos de barra é a possibilidade de cotejo, de comparação, de averiguação, de conferência, concedida ao consumidor, no momento do pagamento. A imposição legal de utilização de códigos de barras e de manutenção dos preços nas prateleiras ou nas gôndolas não isenta o fornecedor da obrigação de etiquetar diretamente os produtos com os preços respectivos.
IV - O Código de Defesa do Consumidor é norma de princípios, em defesa do consumidor, como denomina o próprio diploma, e deve ser observado nesse ângulo, sempre em busca de interpretação mais favorável ao consumidor, e da efetividade de seus dispositivos.
V - O fato de o Estado legislar concorrentemente só lhe autoriza a editar normas de caráter suplementar, ou seja, não pode confrontar os princípios emanados da norma geral prevista na lei federal, sob pena de esta se sobrepor e ser aplicável ao invés da norma estadual.
VI – Procedência do pedido. 


                     Vistos, etc.

1.                     O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, por sua representante nesta Comarca, promove Ação Civil Pública contra CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA, SUPERMERCADO NORDESTÃO LTDA., SUPERMERCADO DA TERRA LTDA., BOMPREÇO S.A., SUPERMERCADO DO NORDESTE, MAKRO ATACADISTA S.A. e SUPERMERCADO SERVE BEM LTDA., todos qualificados na inicial.

2.                     Relata de início que o sistema de automação da atividade mercantil trouxe inúmeros benefícios aos estabelecimentos comerciais no Estado, no entanto, ao se adotar o código de barras, deixou-se de utilizar a antiga etiquetagem manual de preços diretamente na embalagem de cada produto, tendo em vista que o preço poderia ser informado por leitura ótica em terminais, e através da fixação de preços nas prateleiras, o que não seria suficiente para a satisfação do direito do consumidor à informação pré-contratual.

3.                     Alega que ao passar pelo caixa para efetuar o pagamento, é comum que o consumidor não mais se recorde do preço, o que obriga a confiar naquele inserido no código de barras, não sendo possível compará-lo no momento do pagamento. Não bastasse isso, alguns produtos encontram-se misturados com outros da mesma natureza, aparentando um mesmo preço, mas o contrário só se verificará no momento do pagamento. 

4.                     Invocando o Código de Defesa do Consumidor, decisões administrativas e judiciais acerca do tema, pede que seja liminarmente concedida a tutela antecipatória, a fim de determinar que os requeridos sejam compelidos a afixar nas embalagens dos produtos expostos à venda o preço à vista e em reais, salvo aqueles que por sua natureza estejam impossibilitados de receber a etiqueta, postulando a tutela definitiva com o mesmo desiderato.

5.                     A tutela foi concedida liminarmente. Citados, os réus apresentaram contestações. O SUPERMERCADO DA TERRA alega litispendência, pois a matéria se encontra sob exame do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. No mérito ressalta a edição da Lei Estadual 8.095/02, a qual não restringe a defesa dos consumidores. Defende a utilização de código de barras.

6.                     Os Supermercados BOMPREÇO, NORDESTÃO e CARREFOUR pediram revogação da medida inicial com base na edição da lei estadual, o que foi indeferido na decisão de fls. 225 – 232.

7.                     Em sua resposta o BOMPREÇO alega preliminares de litispendência e conflito de jurisdição com a Justiça Federal da 5ª Região. Afirma que o réu está cumprindo a lei, dizendo que o Juiz “deixou-se envolver pelo aspecto político imprimido à questão, atropelando os princípios da ampla defesa e do contraditório, da isonomia e da livre iniciativa”. Destaca a lei estadual que teria normatizado a matéria. Assenta que a ação “labora contra o avanço tecnológico preconizado no Código de Defesa do Consumidor”.

8.                     Já o SERVE BEM, trazendo a lei estadual como fato novo, aduz que deixou de ser exigível a afixação de preços diretamente nos produtos, argumentando que a lei não estabelece que a defesa do consumidor só se opera com a etiquetagem. Pondera sobre os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

9.                     O MAKRO contestou pretendendo se eximir da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, pois seu ramo é atacadista. No mérito ressalta não estar obrigado à afixação de preços nos produtos.

10.              O NORDESTÃO também apresentou defesa, onde releva a importância da prática da consulta de preços por código de barras, argumentando que a exigência da afixação de preços não está no Código. 

11.              Consta nos autos comunicação de indeferimento da suspensividade da decisão inicial, pelo Juiz CÉLIO MAIA, Desembargador convocado, quanto aos pleitos do BOMPREÇO (fl. 476), NORDESTÃO (fl. 541), CARREFOUR (fl. 568) e SERVE BEM (fl. 576). 

12.              Provocado pelas partes, ouvida a Representante do Ministério Público, este Juízo definiu, em fls. 512/513, quais os produtos sujeitos à etiquetagem.

13.              Em seguida o Desembargador RAFAEL GODEIRO informa que, apreciando pedido de reconsideração do BOMPREÇO, SERVE BEM, NORDESTÃO e CARREFOUR, deferiu a suspensão da decisão concessiva de tutela (fls. 623, 629, 642). Suspendendo também em relação ao MAKRO, a pedido deste (fl. 715).

14.              Com vista dos autos, o Promotor de Justiça em função de defesa dos consumidores se manifestou sobre as resposta, pugnando pelo deferimento do pedido inicial.

                     É o relatório.

15.              Verifico, de pronto, as contestações que são tempestivas. A contagem do prazo, neste caso, obedece ao disposto no artigo 191 do Código de Processo Civil, vez que se tratam de litisconsortes passivos com procuradores diversos, passando a ser de 30 (trinta) dias, portanto. A Juntada do aviso de recebimento relativo à carta de citação do último citado (artigo 241, III) ocorreu em 02 de maio (fl. 267). O prazo deveria terminar no dia 1º de junho, um sábado. Atendendo à regra do artigo 184, § 1º, prorrogar-se-ia até o dia 03 de junho, segunda-feira, primeiro dia útil. A última peça de defesa juntada aos autos foi a do SUPERMERCADO NORDESTÃO LTDA (fl. 819) apresentada, conforme chancela eletrônica, no dia 04 de junho, ou seja, depois de extinto o prazo para contestar. Deixo, pois, de recebê-la, DECRETANDO A REVELIA e determinando o desentranhamento dos autos. As demais respostas atendem ao interstício legal.              

16.              Registre-se, por oportuno, que não há nos autos qualquer comunicação de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça em favor do SUPERMERCADO DA TERRA LTDA., ou seja, quanto a esse estabelecimento continua vigente a imposição da antecipação de tutela.

17.              A preliminar de litispendência não prospera. Os contestantes não trouxeram provas que demonstrassem a discussão, em outro Juízo, da lide ora proposta. A documentação inicialmente trazida pela Representante do Ministério Público noticia a existência de uma demanda, perante a Justiça Federal, de cunho declaratório, apenas com o objetivo de que seja declarado se os Supermercados se submetem à norma administrativa do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor.

18.              A ação ora veiculada tem objeto diverso, pois atinge especificamente aos réus, na busca de uma obrigação de fazer, decorrente de comando legal, não havendo discussão da competência do órgão administrativo para impor obrigação aos requeridos. São diferentes o pedido e a causa de pedir.

19.              A submissão do MAKRO ATACADISTA às normas de defesa do consumidor é inconteste, no meu ver. É público, na sociedade norteriograndense, que aquele estabelecimento mantém convênio com diversas entidades, como associações de classe, de profissionais liberais, etc., com o objetivo de vender suas mercadorias a consumidores comuns, e não só a comerciantes. A venda em quantidades, como cereais, caixa de cerveja, de refrigerante, de balas, chocolates, latas de leite, etc., não descaracteriza a condição de venda ao consumidor.

20.              Além do mais, as empresas que adquirem os bens na qualidade de consumidores finais, ou seja, para atender ao seu consumo interno, também estão sob o pálio da norma consumerista. Por outro lado, os pequenos comerciantes, frente à condição de hipossuficientes diante de um fornecedor de grandeza indiscutível, merecem proteção no momento da aquisição de bens, comparável à proteção conferida ao consumidor comum. Sobre o assunto consulte-se a opinião de CLÁUDIA LIMA MARQUES:

“       Mas existe desequilíbrio em um contrato firmado entre dois profissionais? Como regra geral, presume-se que não há desequilíbrio, ou que não é tão grave a ponto de merecer uma tutela especial, não concedida pelo direito civil e pelo direito comercial. Esta presunção está presente, igualmente, na lei alemã. Mas, como observamos, por vezes o profissional é um pequeno comerciante, dono de bar, mercearia, que não pode impor suas condições contratuais para o fornecedor de bebidas, ou que não compreende perfeitamente bem as remissões feitas a outras leis no texto do contrato, ou que, mesmo sendo um advogado, assina o contrato abusivo do único fornecedor legal de computadores, pois confia que nada ocorrerá de errado. Nestes três casos, pode haver uma exceção à regra geral, o profissional pode também ser 'vulnerável', ser 'hipossuficiente' para se proteger do desequilíbrio contratual imposto”.(“Contratos no Código de Defesa do Consumidor”, 3ª Edição, Ed. RT, pág. 147).

                     Afasto, portanto, as preliminares.

21.              No mérito a questão foi analisada na decisão inicial, a qual antecipou a visão de mérito da demanda, cujos fundamentos me permito repetir. 

22.              A legitimação do postulante em prol do consumidor ficou exaustivamente demonstrada na inaugural. Decorre de suas atribuições institucionais, proclamadas na Constituição da República, e pauta-se no artigo 1º, II e 5º, da Lei 7.347/85, c/c o artigo 82, I da Lei 8.078/90. 

23.              A ilustre Promotora de Justiça assinala, com bastante propriedade, que a questão posta à análise judicial deve ser vista à luz do Código de Defesa do Consumidor, norma que estabelece princípios aplicáveis à relação de consumo, que devem ser interpretados de modo efetivo. As disposições que emanam do Código não têm a natureza programática, mas devem servir de orientação para o tratamento do fornecedor de bens e serviços para com o consumidor. 

24.              E em diversos dispositivos na referida Lei foi registrada a preocupação com a informação sobre preços, produtos e serviços, que deverá ser clara e correta, de modo a conceder ao consumidor o direito de opção consciente. O artigo 6º da Lei 8.078/90 assim enumera:

“       Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
. . .
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
. . .”

25.              Informação adequada e clara, no caso de preços sujeitos à cobrança por leitura eletrônica de códigos de barra é a possibilidade de cotejo, de comparação, de averiguação, de conferência, concedida ao consumidor, no momento do pagamento. 

26.              A princípio torna-se inviável essa comparação se o preço está fixado na prateleira e, ao chegar no caixa, com o carrinho de compras carregado de diversos itens, em filas comumente grandes, o consumidor não pode, de imediato, estabelecer a conferência. Ainda que o estabelecimento comercial não esteja com filas no caixa, a inviabilidade de conferir cada produto retornando à prateleira é patente.

27.              Não se quer, com isso, pré-julgar o comportamento dos supermercados, com a acusação, que seria leviana em sede liminar, de que os preços expostos estariam maliciosamente modificados. Mas o que se ressalta é o direito que o consumidor tem, decorrente do dispositivo ora transcrito, de ver com clareza que o preço daquele produto escolhido estará idêntico ao valor arquivado no banco de dados do caixa. E é justamente o preço, no mais das vezes, que contribui para a decisão do comprador no momento em que as mercadorias estão expostas nas prateleiras. 

28.              É evidente que em supermercados os preços têm variações decorrentes de diversos fatores, inclusive promoções, e em razão dessa grande possibilidade de modificações estarão também sujeitos à falibilidade, que só poderá ser verificada na comparação quando do registro, pela máquina, no cupom fiscal.

29.              A matéria já foi objeto de análise no Superior Tribunal de Justiça, o qual fixou posição, como exemplifica a seguinte ementa: 

“DIREITO DO CONSUMIDOR – PREÇO – PRODUTOS – SUPERMERCADOS – EXIGÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Um dos princípios básicos em que se assenta a ordem econômica é a defesa do consumidor.
A lei nº 8.078/90, em seu artigo 6º, inciso III, relaciona entre os direitos básicos do consumidor: “A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como, sobre os riscos que apresentam”.
Os donos de supermercados devem fornecer ao Consumidor informações adequadas, claras, corretas, precisas e ostensivas sobre os preços de seus produtos à venda.
O fato de já existir, em cada produtos, o código de barras não é suficiente para assegurar a todos os consumidores estas informações. Para atender realmente o que estabelece o Código do Consumidor, além do código de barras e do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em cada produto.
Segurança negada.”

(MS 6010/DF, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, Primeira Seção, D. J. 06/12/99, pág. 00062). 

30.              Por essas razões, enxergo relevantes os fundamentos expostos na inicial, considerando que o prejuízo a que está sujeito o consumidor é diário, razão pela qual a medida se mostra por demais justificada.

31.              Venho também por confirmar os fundamentos da análise da lei nova, aprovada no calor da discussão judicial, tida pelos requeridos como favorável à tese da desnecessidade de precificação dos produtos expostos à venda.


32.              Os dispositivos legais que, de modo direto ou indireto, disciplinam a matéria exposta a debate são os seguintes: 

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA :
“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre :
. . .
V – produção e consumo;
. . .
§ 1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-a a estabelecer normas gerais.
§ 2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º. A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”

“ADCT
Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”.

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR :
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
. . .
III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.”

LEI ESTADUAL 8.095/02:

“Art. 1º. A afixação de preços de serviços de produtos vendidos pelo comércio varejista no Estado reger-se-á por esta Lei, sem prejuízo do disposto no Código de Defesa do Consumidor.
Art. 2º. Para fins de informação ao consumidor, são admitidas as seguintes formas de afixação de preços:
. . .
II – em auto-serviços, supermercados, mercearias ou estabelecimentos comerciais onde o consumidor tenha acesso direto ao produto sem intervenção do comerciante, com a impressão ou fixação do código referencial, ou ainda, com a afixação do código de barras desde que haja informação de forma clara e legível junto aos itens expostos, no que diz respeito ao preço à vista, a denominação e descrição do produto, peso, quantidade e o referido código, ficando, no entanto, dispensado este quando se tratar de produto cujo código variar em função de cor, fragrância ou sabor e não houver alteração de preço.”


33.              Verifica-se, de modo claro, que a competência legislativa para dispor sobre consumo é concorrente, ou seja, a União e o Estado estão autorizados a emitir normas para disciplinar a matéria. No entanto, no âmbito da competência concorrente, a União detém o poder de editar normas gerais, que têm caráter de superioridade, supremacia, sobre as regras estabelecidas no âmbito estadual, ainda que se admita a sua especialidade. 

34.              O fato de o Estado legislar concorrentemente só lhe autoriza a editar normas de caráter suplementar, conforme se depreende na transcrita limitação constitucional, ou seja, não pode confrontar os princípios emanados da norma geral prevista na lei federal, sob pena de esta se sobrepor e ser aplicável ao invés da norma estadual.

35.               Na ADIN 2.396-9/MS, a eminente Ministra ELLEN GRACIE apreciou questão relativa à matéria, emitindo o seguinte posicionamento:

“       Repartição das competências legislativas. CF arts 22 e 24. Competência concorrente dos Estados-membros. Produção e consumo CF, art. 24, V; proteção de meio ambiente (CF, art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII. No sistema da CF/88, como no das anteriores, a competência legislativa geral pertence à União Federal. A residual ou implícita cabe aos Estados que 'podem leglislar sobre matérias que não estão reservadas à União e que não digam respeito à administração própria dos Municípios, no que concerne ao seu peculiar interesse' (Representação nº 1.153-4/RS, voto do Min. Moreira Alves). O espaço da possibilidade de regramento pela legislação estadual, em casos de competência concorrente abre-se: (1) toda vez que não haja legislação federal, quando então, mesmo sobre princípios gerais, poderá a legislação estadual dispor; e (2) quando, existente legislação federal que fixe os princípios gerais, caiba complementação ou suplementação para o preenchimento de lacunas, para aquilo que não corresponda à generalidade; ou ainda, para a definição de peculiaridades regionais. Precedentes. Da legislação estadual, por seu caráter suplementar, se espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal, não que venha dispor em diametral objeção a esta.”
36.              No caso em estudo, existe a lei federal que estabelece normas gerais sobre o assunto, que é a Lei 8.078/90. A questão é saber se a lei estadual confronta o Código de Defesa do Consumidor. Penso que sim. O mencionado artigo 6º é norma garantidora de informação clara e adequada sobre preços. Não atende a este princípio a colocação de código de barras sem a afixação do preço no produto, pois o consumidor não terá direito à informação clara e adequada se não puder precisar se o preço armazenado no banco de dados do qual corresponde o código é idêntico àquele exposto na prateleira. São muitas, de diversas marcas, inúmeros tipos, as mercadorias colocadas nas prateleiras, sujeitas ao exame a todo momento, a serem remexidas, deslocadas. A conferência do código de barras afixado no produto com o mesmo código que existe na prateleira é complexa para a pessoa comum, não é informação clara ou adequada.

37.              O Código de Defesa do Consumidor é norma de princípios, em defesa do consumidor, como denomina o próprio diploma, e deve ser observado nesse ângulo, sempre em busca de interpretação mais favorável ao consumidor, e da efetividade de seus dispositivos. 

38.              NELSON NERY JÚNIOR ensina que o Código de Defesa do Consumidor “é lei principiológica. Não é analítica, mas sintética. Nem seria de boa técnica legislativa aprovar-se lei de relações de consumo que regulamentasse cada divisão do setor produtivo (automóveis, cosméticos, eletroeletrônicos, vestuários etc.). Optou-se por aprovar lei que contivesse preceitos gerais, que fixasse os princípios fundamentais das relações de consumo. É isto que significa ser uma lei principiológica. Todas as demais leis que se destinarem, de forma específica, a regular determinado setor das relações de consumo deverão submeter-se aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa do Consumidor.
              Assim, sobrevindo lei que regule, v.g., transportes aéreos, deve obedecer aos princípios gerais estabelecidos no CDC. Não pode, por exemplo, essa lei específica, setorizada, posterior, estabelecer responsabilidade subjetiva para acidentes aéreos de consumo, contrariando o sistema principiológico do CDC. Como a regra da lei principiológica (CDC), no que toca à reparação dos danos, é a da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade (art. 6º, nº VI, CDC), essa regra se impõe a todos os setores da economia nacional, quando se tratar de relação de consumo. Destarte, o princípio de que a lei especial derroga a geral não se aplica ao caso em análise, porquanto o CDC não é apenas lei geral das relações de consumo, mas, sim, lei principiológica das relações de consumo.
              Pensar-se o contrário é desconhecer o que significa o microssistema do Código de Defesa do Consumidor, como lei especial sobre relações de consumo e lei geral, principiológica, à qual todas as demais leis especiais setorizadas das relações de consumo, presentes e futuras, estão subordinadas.
(Código BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR comentado, autores diversos, 6º edição, Forense Universitária, pág. 432


39.              O Superior Tribunal de Justiça, com sua autoridade de intérprete da lei federal, orienta que a regra do artigo 6º, III, da mencionada norma federal deve ser lida como impositiva da colocação de preços diretamente no produto, conforme demonstrado na decisão concessiva de liminar. Uma lei estadual que contrarie esta interpretação estará, certamente, contrariando o dispositivo do Código de Defesa do Consumidor, e por isso não deve prevalecer.

40.              Por fim, vale lembrar as lições de MARIA HELENA DINIZ quando discorre sobre conflito de normas:

“       Como a antinomia é uma situação anormal, uma realidade que impõe a determinação da estrutura da incompatibilidade normativa e uma tomada de posição conveniente à solução do conflito, dever-se-á preferir a decisão razoável à racional. Sugere-se a razoabilidade em oposição à racionalidade. A solução, sob o prisma da lógica do razoável, seria declarar certa norma inaplicável ao caso, pois sua aplicação poderia produzir resultados opostos aos pretendidos pela norma. A lógica do razoável ajusta-se à solução das antinomias, ante o disposto no art. 5º da nossa Lei de Introdução ao Código Civil, que prescreve que, na aplicação da lei, deverá atender-se aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum. O órgão judiciante deverá verificar os resultados práticos que a aplicação da norma produziria em determinado caso concreto, pois somente se esses resultados concordarem com os fins e valores que inspiram a norma, em que se funda, é que ela deverá ser aplicada. Assim, se produzir efeitos contraditórios às valorações e fins conforme os quais se modela a ordem jurídica, a norma, então, não deverá ser aplicada àquele caso. De modo que entre duas normas plenamente justificáveis deve-se opinar pela que permitir a aplicação do direito com sabedoria, justiça, prudência, eficiência e coerência com seus princípios. Na aplicação do direito deve haver flexibilidade do entendimento razoável do preceito e não a uniformidade lógica do raciocínio matemático. O art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, por fornecer critérios hermenêuticos assinalando o modo de aplicação e entendimento das normas, estendendo-se a toda ordenação jurídica, permite corrigir o conflito que se apresenta nas normas, adaptando a que for mais razoável à solução do caso concreto, constituindo uma válvula de segurança que possibilita aliviar a antinomia e a revolta dos fatos contra as normas.” (Em “Conflito de Normas”, Saraiva, pág. 62/63).

41.              Creio que não foi feliz o contestante que afirmou ter este juiz se deixado envolver pelo aspecto político. A decisão é jurídica e são jurídicos os seus fundamentos. O Superior Tribunal de Justiça age com função de unificar a interpretação das normas federais, e também na qualidade de “Tribunal da Cidadania”, como se intitula. Sua visão da lei federal, portanto, merece respeito pela análise jurídica e cidadã. As decisões que emanam daquele órgão colegiado têm servido de fonte e fundamento às diversas unidades da federação, quer no âmbito do direito público, quer no âmbito do direito privado, justamente por posições que atendem à modernidade e aos anseios da sociedade, quanto à efetivação dos direitos buscados no ordenamento jurídico, em especial no direito do consumidor.

42.              A utilização do sistema de códigos de barras é tido pelos réus como um avanço tecnológico. Não se questiona a possibilidade de utilização desse mecanismo. No entanto, para atender à exigência do CDC não é só o código de barras que presta a informação clara e adequada de preços. A norma consumerista não é destinada a garantir a facilidade de operacionalização para o fornecedor, e sim a proteção do consumidor. Conjugar os dois fatores sim, atende à razoabilidade. Mas sem esquecer de que a informação do preço é clara, imediata e induvidosa quando colocada a etiqueta diretamente no produto.

43.              Em outras oportunidades o STJ tem se manifestado a respeito, ressaltando, o Ministro FRANCISCO FALCÃO, que a precificação do produto é aceita em países mais desenvolvidos:

“       A litispendência só se configura quando se reproduz ação anteriormente ajuizada (CPC, art. 301, § 3º). Há de existir dois processos simultâneos, com a mesma lide, mesmo pedido, mesma causa de pedir, e entre as mesas partes. Para que ela ocorra, é necessário, ainda, que haja simultaneidade de causas idênticas entre partes também idênticas.
' Para atender o que estabelece o Código do Consumidor, além do código de barras e do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em cada produtos.' (MS Nº 6.010/DF, Relator o Ministro GARCIA VIEIRA, DJU de 06/12/99).
Precedentes.
Segurança denegada. Medida liminar cassada.”
(MS 5982/DF, Rel. Min. PAULO GALLOTTI, 1ª Seção, D. J. 19/02/2001, pág. 00129).


44.              Assim foi o aparte do Ministro FRANCISCO FALCÃO: “Sr. Presidente, acompanho o Sr. Ministro-Relator, inclusive na aceitação de precedente da minha lavra, quando naquele caso eu dizia que esse ato do Ministro da Justiça copia o que já existe nos países desenvolvidos: Estados Unidos, Japão, onde o preço das mercadorias vem já estampado no próprio produto, porque não há inflação. Não é uma mera etiqueta, mas a fixação do preço mesmo.”

                     Em outra oportunidade proclamou a Ministra NANCY ANDRIGHI (MS 5.943-DF): 

“       - É necessária a colocação de etiquetas em todos os produtos, mesmo se adotado mecanismo de código de barras com os esclarecimentos nas gôndolas correspondentes.
       - Por ser assegurado ao consumidor o direito de informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, não há que se falar em 'intervenção abusiva no domínio econômico', com desrespeito aos arts. 1º, IV, 170, 'caput' e inciso II e 174, 'caput', todos da C.F.-88, porque insensurável o despacho proferido pelo Excelentíssimo Ministro de Estado da Justiça, publicado no DO 1, de 14-08-98.”

45.              Como se vê, a imposição legal de colocação de códigos de barras e de manutenção dos preços nas prateleiras ou nas gôndolas não isenta o fornecedor da obrigação de etiquetar os produtos com os preços respectivos.

46.              Diante do exposto, julgo procedente o pedido inicial, para determinar que os requeridos fixem, diretamente nas embalagens dos produtos expostos à venda, o preço à vista e em reais correspondente, sob pena de multa diária, a qual fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada unidade dos estabelecimentos descumpridores da ordem judicial. 

47.              Os produtos que estão dispensados de etiquetagem são aqueles que pela sua natureza não podem receber diretamente a etiqueta. Incluídos estão aí os legumes, as frutas, as verduras e as aves, os peixes e as carnes na condição de serem pesados à vista do consumidor e vendidos a granel. Quando vendidos a granel, mediante pesagem, também estão dispensados os queijos, presuntos, salames, salsichas, linguiças e assemelhados. Amendoim, castanha, sementes, etc., somente quando expostos para pesagem na hora da compra. Panos e toalhas, sem embalagem ou invólucro de papel ou plástico, quando a etiqueta não puder ser colocada em outro lugar senão diretamente no pano, não necessitarão de etiqueta, mas isto não ocorre quando houver, ainda que parcial, algum envolvimento ou selo.

48.              Todas as mercadorias expostas à venda envolvidas por embalagem plástica, de isopor, de vidro, lata, caixa, pacote, garrafa, que não são divisíveis para a venda são sujeitas à etiquetagem. A impossibilidade técnica de se colocar o preço em latas, garrafas, sacos plásticos, não é evidente e, ao contrário, comumente se achavam assim expostas. 

49.              No caso de produtos como pilhas e escova dental, são vendidas em cartelas e também estão abrangidas pela decisão. As peças de frango e carne, congelados e resfriados em geral, já vendidas dentro da embalagem também devem ser etiquetadas, inclusive já o são, muitas vezes, apenas com o código de barras, bastando que se acrescente o preço.

50.              Havendo promoção, nos produtos albergados por esta pode-se optar por manter o preço normal, e promover a divulgação do preço promocional, tanto nas prateleiras, gôndolas, ou mesmo em folhetos e propagandas, pois neste caso o menor preço prevalecerá.

51.              Condeno os réus no pagamento de custas judiciais e honorários advocatícios, estes à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa.

                     P. R. I.

                     Natal, 30 de julho de 2.002.




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